ARTIGO.
DE
REPÚBLICA E VESTAIS
Por Paulo Afonso Linhares - Advogado
Professa a cultura de
almanaques de hoje, do tipo Wikipédia, que na velha Roma foi instituído o culto
de sacerdotisas à deusa Vesta. As
vestais (em latim
virgo vestalis), como eram chamadas, se dedicavam a um sacerdócio (exclusivamente
feminino, restrito a seis mulheres que seriam escolhidas entre a idade de 6 a
10 anos, servindo durante trinta anos) , quando “eram obrigadas a preservar sua
virgindade e castidade, pois qualquer atentado a esses símbolos de pureza
significariam um sacrilégio aos deuses romanos e, portanto, também à sociedade romana”.
Tal era o rigor das vestais e mesmo
da sociedade romana na preservação desses valores, que a palavra vestal evoluiu da acepção original de
significar moça virgem, donzela, casta, para abranger também o gênero masculino, como sinônimo de puro, extreme, isento, imaculado e por aí vai. Enfim, para alguém
do tipo “não me toques” se encaixa bem a expressão vestal.
Entretanto, no contexto republicano das comunidades marcadamente
democráticas, vestais foram abolidos. Claro, as virtudes cívicas, o respeito às
instituições jurídico/políticas ou, mais especificamente, o respeito à lei,
substituem a noção de que alguém seria puro, imaculado, “acima de qualquer
suspeita” ou “sabe com quem está falando?” tão somente por sua condição de
membro de uma ilustre e tradicional família, ou que professa determinado credo
religioso, filosófico ou por ser membro de alguma importante corporação
profissional.
Com efeito, o credo republicano sufocou as (e os) vestais, de Roma aos dias
que correm: ninguém deve estar isento de crítica, embora mandem as regras da
convivência civilizada que todos os
cidadãos merecem equânime tratamento respeitoso e digno, seja qual for o
gênero, origem familiar, credo religioso ou filosófico, natureza étnica,
profissão ou ofício. Em suma, mormente nos Estados Democráticos de Direito, a
exemplo do brasileiro, os tratamentos com distinção de pessoa pelo sexo, cor da
pele, credo ou condição social e profissional, afrontam o princípio da igualdade. Aliás, posto que as pessoas sejam desiguais
na vida social, compete às instituições jurídico/políticas, mormente às leis do
Estado, a estruturação de mecanismos que promovam a igualdade. Aliás, na obra A Política (p. 236), o filósofo ARISTÓTELES assevera: “A primeira espécie de democracia é aquela
que tem a igualdade por fundamento. Nos termos da lei que regula essa
democracia, a igualdade significa que os ricos e os pobres não têm privilégios
políticos, que tanto uns como outros não são soberanos de um modo exclusivo, e
sim que todos o são exatamente na mesma proporção”.
Lição bela e ainda válida para os dias que correm, sobretudo, para uma
sociedade de uma elite atrasada e que abriga algumas castas de servidores do
Estado que se posicionam acima do bem e do mal, se acham dignos tutores por
excelência da sociedade e agem como genuínas vestais da pós-modernidade. Esta
reflexão nasceu de duas simples notas publicadas na imprensa local, uma firmada
pela poderosa AMARN- Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte,
entidade que congrega os juízes e desembargadores deste estado, por sua
presidente, e os juízes de direito da comarca de Mossoró; a outra, por membros
do Ministério Público estadual com atuação na Comarca de Mossoró. Em resumo, ambas
as notas traduzem no “irrestrito apoio
aos juízes eleitorais responsáveis pela administração do processo eleitoral no
município, juízes HERVAL SAMPAIO E ANA CLARISSE ARRUDA, magistrados sérios e
dedicados, bem como de qualquer magistrado que, fiel a missão imposta, atue em
prol da lisura do processo eleitoral”, porquanto “insatisfações relacionadas a decisões judiciais são normais em um
ambiente democrático, mas eventuais ofensas às autoridades judiciárias
representam risco e atentado à própria essência do Estado Democrático de
Direito, em nada contribuindo para o avanço da cidadania.” Entretanto, se
lhes caem bem as togas, de pouca valia têm, no chão republicano, os figurinos de
vestais.
Que
os juízes citados merecem o respeito e o apoio da comunidade
mossoroense nenhuma dúvida há, a exemplo do que se pode afirmar tocante a
outros servidores da sociedade: os garis, que nos livram do lixo de cada
dia;
os policiais, que vez por outra nos guardam dos perigos da criminalidade
que
campeia; os diversos profissionais que cuidam da saúde pública etc.
Múltiplas e
valiosas contribuições que decerto se somam àquelas dos cidadãos sem
rosto nem
detentores de pomposos títulos e que sequer perfilam nas hostes dos tais
servidores do Estado. Que graves ofensas irrogaram contra esses juízes?
Bobagens de trombadinhas cibernéticos, sem maiores consequências, mesmo
porque
a comunidade local sequer delas tomou conhecimento, isto sem falar que
vez por
outra algumas autoridades, inclusive judiciárias, se dão o cabimento
de ficarem
a bater boca nas redes sociais, com despiciendas explicações acerca do
conteúdo
de decisões pretéritas e, pasmem, futuras... Quem sai na chuva quer
molhar-se: no ciberespaço todos são afoitos, terríveis e naturalmente
iguais! Por isto é que, todavia, expressam
essas notas muito barulho por nada. Much
ado about nothing, como diria o bardo Shakespeare.
Ora, se ”eventuais ofensas às
autoridades judiciárias representam risco e atentado à própria essência do
Estado Democrático de Direito, em nada contribuindo para o avanço da cidadania”,
em razão de algumas opiniões difusamente expressas em redes sociais contestando
o agir desses magistrados, algo vai muito mal.
Essas bobagens ditas no “tuíte”
ou no “fuxibuque” jamais podem ser vistas como ameaças à democracia e ao avanço
das boas praticas da cidadania: as instituições jurídico-políticas vigentes
asseguram aos magistrados responsáveis pela condução do pleito suplementar
total segurança e liberdade de agir, no cumprimento da lei e no exercício pleno
do munus que cabe a cada um. E que
esses desaforos devem ser pontualmente coibidos nos lindes da ordem jurídica,
separando-se precisamente o que sejam legítimas manifestações da liberdade de
expressão/opinião e os tantos abusos de direito que agridem a imagem e a honra
alheias. Sem mais pirotecnia intimidatória ou desnecessárias exibições de
musculaturas corporativas. O resto é conversa pra boi dormitar.
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