DJALMA MARINHO, CORAGEM E DIGNIDADE NO BRASIL.
DJALMA MARINHO, CORAGEM E DIGNIDADE NO BRASIL.
Por Roberto Guedes - jornalista.
Caros amigos, neste 26 de dezembro, quinta-feira, transcorrerá o 32° aniversário do falecimento de um dos mais dignos estadistas que o Brasil colheu no Rio Grande do Norte, o legendário jurista e deputado federal Djalma Marinho, aquele que, seguindo Calderon de La Barca, negou-se a entregar sua honra aos mandões do obscurantismo em momento particularmente da democracia nacional.
Para nos lembrarmos bem de
Djalma e desse episódio inesquecível, recorro aqui ao testemunho que o
jornalista Murilo Melo Filho publicou no saudoso “Jornal do Brasil”, do
Rio de Janeiro (RJ)m em 21 de abril de 2004, sob o título “Ao rei tudo.
Menos a Honra”.
Eis o texto de Murilo:
Ao rei tudo. Menos a honra
Murilo Melo Filho
Ao rei tudo. Menos a honra
Murilo Melo Filho
"Os trabalhos legislativos corriam em Brasília, mornos e monótonos no
fim daquela tarde de 3 de setembro de 1968, quando o deputado Marcio
Moreira Alves, falando no ''pinga-fogo'', pronunciou um discurso que bem
poderia ter ficado inédito, porque proferido para um plenário vazio e
que constaria de um registro sem o menor destaque ou importância no
Diário do Congresso. Dizia ele mais ou menos o seguinte:
- Com a proximidade do 7 de setembro, a ditadura certamente vai determinar que os colégios participem do desfile militar. Apelo para que os pais não permitam aos seus filhos marcharem ao lado dos carrascos que os agridem e os fuzilam nas ruas. E proponho às moças que não dancem com os cadetes no baile da Independência.
Por coincidência, justamente naquela
semana estava sendo encenada, em São Paulo, a comédia grega Lisístrata,
de Aristófanes, com a história das atenienses que fecharam as portas de
suas casas para os maridos derrotados na volta de uma batalha.
Interpretou-se o discurso como uma insinuação para que as brasileiras se
fechassem (sic) aos oficiais, seus maridos, numa interpretação
absurdamente sexual.
Os militares da linha ''dura'' estavam precisando de um pretexto e aquele era simplesmente ótimo. O discurso foi reproduzido em milhares de cópias mimeografadas e distribuídas em todos os quartéis e guarnições.
Os militares da linha ''dura'' estavam precisando de um pretexto e aquele era simplesmente ótimo. O discurso foi reproduzido em milhares de cópias mimeografadas e distribuídas em todos os quartéis e guarnições.
Os ministros do Exército,
Aeronáutica e Marinha - Lyra Tavares, Márcio Melo e Rademaker - exigiram
um processo contra o deputado, que o ministro da Justiça, Gama e Silva,
transformou imediatamente num pedido de licença para cassação do seu
mandato. Realizaram-se então muitas negociações entre o Palácio do
Planalto e a Comissão de Constituição e Justiça, que tinha de dar seu
parecer sobre o pedido de licença e que era presidida por Djalma
Marinho, um corajoso deputado lá do Rio Grande do Norte.
Nesse
ínterim, a polícia, que vinha espionando de perto todos os passos dos
promotores do 30º Congresso Nacional dos Estudantes, marcado para o dia
14 de outubro em Ibiúna, conseguiu surpreender os seus organizadores e
invadiu o recinto do conclave, prendendo em flagrante, numa detalhada
operação, os principais líderes da UNE: José Dirceu, José Travassos e
Vladimir Palmeira, além de dezenas dos 700 delegados presentes.
Esgueirando-se por um portão nos fundos do sítio, Jean Marc van der
Weide foi um dos únicos a escapar do cerco policial.
Enquanto isto, realizavam-se as negociações entre o Planalto e a CCJ. Duas
sugestões foram aí feitas e recusadas:
1. A do senador Daniel Krieger, líder do governo no Senado, para uma punição intramuros do parlamentar, que sofreria uma espécie de advertência, interna corporis, em vez de uma cassação.
1. A do senador Daniel Krieger, líder do governo no Senado, para uma punição intramuros do parlamentar, que sofreria uma espécie de advertência, interna corporis, em vez de uma cassação.
2. E a do
deputado Djalma Marinho, que propunha o adiamento da decisão para março
seguinte, após as férias legislativas, quando os parlamentares teriam
oportunidade de consultar suas bases e regressar a Brasília com mais
elementos que ensejassem uma solução do impasse. (Essa idéia foi
inicialmente aceita pelo próprio marechal Costa e Silva, mas depois
recusada pelo ministro Gama e Silva).
Com o fracasso de ambas as
sugestões, o senador Krieger renunciou à liderança no Senado,
refugiando-se em sua fazenda Lami, a 37km de Porto Alegre. O deputado
Djalma Marinho, após recusar um dramático e comovente apelo do senador
Dinarte Mariz, renunciou à presidência da Comissão, pronunciando um
histórico discurso:
- Na minha sofrida vida pública, como
representante de um pequeno estado, tenho mantido fidelidade à ordem
democrática. Ao longo do tempo, mesmo na minha humildade, a ela ofereci a
minha vassalagem, mas nunca o atendimento a exigências e concessões
absurdas, como esta. Passada a tormenta e esclarecidos os homens, virá o
tempo da reconstrução. Rejeitar este pedido é um ato de bravura moral,
igual àquele oferecido por Pedro Calderón de La Barca: ''Ao rei tudo,
menos a honra''.
Sem o seu presidente, a Comissão de Justiça já
havia estrategicamente substituído vários deputados da Arena contrários à
concessão da licença e deu parecer favorável a ela, por 17 votos contra
9. A votação no plenário foi marcada para o dia 12 de dezembro,
acusando o seguinte resultado: 141 votos a favor da licença, 24
abstenções e 12 em branco. A maioria de 216 votos, estimulada pelo
discurso de Djalma, recusou a sua concessão, num ato de ousada e
surpreendente coragem.
Derrotado, o governo militar reagiu no dia
seguinte, 13 de dezembro de 1968, há quase 36 anos, portanto, decretando
o AI-5, com todo aquele cortejo de violências, sequestros, torturas,
cassações e prisões.
Uma densa e prolongada noite de trevas iria
abater-se sobre o país, mas restaria para sempre aquele valente protesto
e aquela sábia advertência de Djalma Marinho, meu conterrâneo e um
exemplo para toda a sua geração, que foi inspirar-se no grande
teatrólogo madrilenho do Século 17:
- Ao rei (Costa e Silva), tudo, menos a honra (minha)."
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em 21/04/2004
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