MORRE O POETA LUIZ CAMPOS.

O cenário cultural de Mossoró, RN, amanheceu com ares de tristeza: morreu, à noite de ontem, no Hospital Regional Tarcisio Maia, onde estava internado, o grande poeta, repentista e cordelista, 'mossoroense da gema', Luiz Campos, um inconteste patrimônio da cultura potiguar. Nascido no dia 11 de outubro de 1939, deixa um legado de vasto alcance na cultura do estado do Rio Grande do Norte.

Clique aqui e assista a um vídeo que mostra um pouco da vida do poeta Luiz Campos.

Abaixo, veja uma matéria lapidada por Ana Cadengue, Tuca Viegas e Túlio Ratto, sobre essa grande figura.

Luiz Campos – Um encantador de palavras  

A literatura de cordel se enriquece quando suas ideias vagueiam por um livro ou simplesmente um folheto; o espectador entra nas páginas e percorre os caminhos narrados — alegres, tristes, de desespero ou com humor — por um dos maiores poetas do Rio Grande do Norte, Luiz de Oliveira Campos. Nascido aos 11 de outubro de 1939, o mossoroense Luiz Campos é poeta, repentista e cordelista. Brinca com as palavras, mesmo estas não indo para um livro. Ri da sua sorte e cativa a plateia pela simplicidade. Fino linguajar nordestino no trato com as palavras e uma velocidade invejável em anexar “causos” em tudo que flui à sua volta.

Difícil você não parar para ouvir A Carta a Papai Noel, a simples missiva de uma criança desiludida ao velho barbudo emociona. Assim como você fica surpreso quando o personagem se engana com a noiva — não há como não soltar uma gargalhada ao final.  Luiz Campos, homem simples, humilde, mora no bairro Lagoa do Mato, em Mossoró. Nessa entrevista, uma boa conversa, fala das aventuras, conquistas, em vários Estados brasileiros e, entre uma resposta e outra, desnuda a poesia com sagacidade. Apesar de uma vida difícil, de faltar-lhe até a comida à mesa, lhe sobra bom humor. Se considerando acima de tudo um “batalhador pela literatura de cordel”, o poeta desabafa ao falar do apoio que nunca recebeu pela contribuição que deu à cultura de Mossoró: “Eu sou um ser que surgiu/ Do ventre de uma senhora/ Quando eu nasci ninguém riu/ Quando eu morrer ninguém chora”.


Qual a origem do cidadão e poeta Luiz Campos?
Luiz Campos — Nasci em Mossoró, no bairro Lagoa do Mato. Meu pai trabalhava em uma usina de beneficiamento de algodão. Minha mãe era doméstica. Apenas um irmão. Posso dizer que aprontei muito naquela época. Mas, não era traquina — de fazer perversidade. Sempre trabalhei. Comecei na lida com apenas oito anos de idade pra ajudar em casa. Ia pra estação pegar malotes, mercado central pra pegar baldes, depois comecei a vender frutas, tapiocas, pirulitos. Tudo pra ajudar na renda de casa. Comecei meus estudos nas redondezas da Lagoa do Mato, posteriormente no Ambulatório José Pereira Lima. E terminei os estudos na União Caixeiral.

Como ocorreu o seu contato com a literatura de cordel? Sob que circunstâncias ou influências isso aconteceu?
Acho até que foi pela hereditariedade. Meu tio Raimundo Lopes era cantador profissional. Meu sobrenome era Lopes, mas, curiosamente, quando papai se casou com minha mãe mudaram meu sobrenome. Certa vez estava doente e não pude ir à escola. Foi nesse momento que comecei a escrever um folheto de cordel de tema amoroso. Quando meu tio chegou lá em casa meu pai mostrou o que eu havia escrito e ele foi logo fazendo o comentário: “Eu que sou profissional não faço um desses, esse moleque já fez!” (risos). Nessa época eu tinha nove anos de idade. Fui ajudante de carpinteiro, de pedreiro e até motorista de um padre — que nunca me pagou. Fiz muita coisa, trabalhei muito para ajudar em casa, principalmente quando meu pai estava doente. No ano de 1959 abri uma mercearia. Foi um período de fartura. Eu estava muito bem. Mas veio a separação com a minha esposa. Devido ao mal-estar eu fui embora para o Estado do Maranhão. Eu até já “brincava” de cantar com os amigos. E lá chegando eu “alisei”. A separação me tirou tudo.

Nessa época você tinha filhos?
Eu tenho filhos que não sei nem contar.
Você tem ideia de quantos são?
Acho que uns dez (risos). Registrado mesmo como filho só uma. Todos os outros filhos foram de aventuras. No Ceará, Maranhão… Eu não criei essas crianças. Mas os que me conhecem me chamam de pai, pedem a bênção. E não posso cobrar nada desses filhos. A ajuda na criação deles era dada quando as mulheres vinham à minha casa — sempre saíam com alguma ajuda. Eles me consideram e me querem bem. Eu também quero um bem danado a eles.

Conte um pouco sobre a sua estreia na poesia?
Eu já cantava como amador. Quando fui para o Maranhão e alisei, como já disse anteriormente, fui convidado pra cantar com outro cantador chamado Campo Verde. Nessa primeira vez eu não possuía nem violão. Foi preciso alugar um. E a cantoria foi um sucesso. Com o dinheiro dessa primeira cantoria, no outro dia já comprei uma viola. Tudo começou ali. Dali pra cá nunca mais deixei a cantoria.

De seus livros, entre os inéditos e os publicados, qual o que lhe trouxe maior satisfação em escrever?
Tenho seis ou sete livros publicados. Tem alguns que perdi até da memória — folhetos, cordéis tem muitos. O que mais gostei de ter feito foi o “PoesRia, com Luiz Campos”. Inclusive, este livro brevemente estará em sua segunda edição. Já estamos trabalhando. A primeira edição saiu por volta do ano de 1997 com cerca de quinhentas páginas. É o meu predileto até porque foi o mais rentável (risos). Ainda hoje o povo chega lá em casa perguntando se eu tenho um exemplar.

Lembra de algum verso que está no livro para o leitor do blog se deleitar?
Nesse livro eu destaco um monte de causos. Tem uma que aconteceu quando eu cantei com o saudoso Severino Ferreira. Chegou um travesti na cantoria muito conhecido e chamava-se Zé Maria. Vendo aquele jeitão de Zé, Severino, que era muito crítico, começou a debochar do coitado. Eu, particularmente, não gosto desse tipo de coisa. Não discrimino ninguém. Pra mim, somos todos iguais. Em determinado momento Severino disse algo como “Zé Maria não se parece com homem”. Aí eu fiz uma estrofe — que ainda hoje é muito lembrada — dizendo em cima da frase “José Maria é homem” pra acabar com o deboche de Severino: “Mas José Maria estando/ Se esfregando num rapaz,/ Dá tanto choque no corpo/ Que acende a luz de detrás”. Tem outro que eu acho antológico que é o do dia em que eu cantava no bairro Alto do Xerém, em Mossoró, e havia um rapaz por nome de José Varela — esse quem gravou foi o poeta Crispiniano Neto pra gente colocar no livro. Eu disse: “Cantar pra José Varela/ Talvez Luiz não se meta./ Que na palavra Varela/ Se eu pegar a caneta/ Passar um traço no ele/ Varela vira vareta”. Lembro também que a gente cantava muito no restaurante da Universidade, lá em seu Dé. Certa vez eu cantava com Zé Pereira, tinha umas moças bebendo Coca-Cola com canudinhos. Aí ele terminou dizendo: “Se eu fosse uma mocinha,/ No canudo eu não chupava” (ele estava querendo botar humor, sem saber botar). Eu sapequei: “Minha irmã também chupava/ Coca-Cola num canudo,/ E agora aprendeu a chupar/ A língua de um cabeludo/ Que eu tô vendo a hora/ Ela aprender a chupar tudo” (risos).

Alguns veem a literatura de cordel ameaçado de extinção. Como você analisa isso?
Tá nada. O cordel está evoluindo. Tem até uma novela que vai começar na Globo com esse nome… Agora, vou dizer uma coisa que muitos ficarão com raiva de mim, a cantoria, essa, sim, está se acabando.

Por quê?
Acho que querem elitizar. Gente, cantoria é popular. Quando eu comecei, a gente cantava das seis da tarde até o sol raiar no outro dia. Às vezes, colocávamos dez gêneros. Hoje, não, fazem um Festival com duração de duas horas com apenas seis tiras, um mote em sete, um mote em dez, e, geralmente, no final, um gênero que é livre, o cabra já tem feito. É decorado. Antônio Francisco é testemunha. A gente comenta muito sobre isso. Aquilo que a gente fazia cantando dez, quinze, vinte gêneros, tá extinto. A cantoria, hoje, o que eu vejo, passou a ser uma diversão numa escola, os cantadores querem ensinar ao povo pra fazer cantoria. Cantoria não é isso. Cantoria no meu tempo era de improviso. Uma vez, cantando com Pinto do Monteiro, o assunto era “se a gente não morresse, não ficasse velho”, era bom, não é? Ele foi cantando e dizendo: “Se a gente tivesse o poder/ De nunca “envelhidissêsse”/ E se por acaso a gente nunca morresse/ — nesse momento um bêbado caiu por cima da viola dele e quebrou uma corda — ele improvisou com “E o que é que eu faço agora/ Com um filho da égua desse?”. Cantoria é essa coisa de improvisar. Sei que se os cantadores pegarem esse blog pra ler isso que eu acabei de dizer, certamente vão ficar com raiva de mim. E esses cantadores de hoje, esses que estão no palco, eles passaram pelas minhas mãos. Todos. E eles sabem que a realidade é essa. Ivanildo Vilanova morou comigo, Moacir Laurentino, Antonio Lisboa eu criei, Luiz Pereira, todos esses cantadores. Otacílio, Dimas, Lourival, Louro Branco, todos viviam lá em casa desde o início dos anos 60.

Na sua opinião, hoje, quem faz a literatura de cordel no Rio Grande do Norte com qualidade?
Tem muita gente boa. Antonio Francisco é um. Louro Branco… O “mais ruim” sou eu (risos).

Na cantoria, quem você destaca?
Muitos bons. Agora, até hoje eu não conheço nenhum repentista vivo maior do que Louro Branco.  Eu posso recitar duas estrofes de Louro Branco?

Pode.
Você repare, Túlio, como Louro é repentista. Ele agora “inventou” de ser crente. Aí Valdir Teles, recentemente, cantando com ele, começou a criticar por ele ser crente. Ele suportou bem as críticas, e aí em determinado momento soltou: “Valdir vive criticando/ Porque agora eu sou crente/ E tá dizendo às mulheres/ Que eu fiquei impotente/ Quem diabos disse a Valdir/ Que Bíblia capava gente?”. Aí é poesia pura.

Nem máquina datilográfica, nem computador. Como é fazer poesia direto no gravador?
LC — Depois que minha vista arruinou, eu gravo. Antes, se fosse preciso, eu escrevia a noite todinha. O processo hoje é o seguinte: imagino, gravo, e depois alguém passa para o computador. Mas eu gostava mesmo era de escrever. Assim, gravando, fica mais difícil.

Qual foi sua contribuição para a ebulição da literatura de cordel em Mossoró?
Eu acho que eu fui tudo. Porque se você ler minha coleção de cordel, o que eu fiz por Mossoró, o que eu contribuí… Lembro logo de “Meu caso é um descaso”. Ali a pessoa sabe o quanto me esforcei por Mossoró.

Mossoró se esforçou por você?
Não. Nunca recebi ajuda de nada. Eu tenho amigos em Mossoró que se esforçam por mim. Mas o poder público, não. Eu tenho muitos amigos.

Você já disse em algumas entrevistas que não é famoso, é faminto? Melhorou algo?
Do mesmo jeito. Aliás, agora tá pior. Em contrapartida, meu nome é “espalhado” em todo o Brasil.

Você vive de quê hoje?
De uma aposentadoria. Um salário mínimo.

Dá pra pagar as contas, Luiz?
Dá nada, homem. E, eu depois que quebrei essa perna… Quebrei não, ela quebrou-se porque eu não ia quebrá-la (risos) e adoeci da vista, quase não saio pra cantar. Convites, existem.

Quanto custa uma cantoria?
A gente vai pela renda. Tem que passar o chapéu. Agora, geralmente, quando é fora da cidade a gente vai com contrato.

E a renda com os livros?
Eu não tenho mais nenhum. Crispiniano está fazendo a reedição de um, como já disse. Ainda hoje falei com ele por telefone e ele disse que está trabalhando com afinco nesse livro. Eu perguntei se sai antes de eu morrer. Ele respondeu, eu não sei quando é que você vai morrer! (risos)

E pra isso você não tem pressa.
Não. Mas tô com pressa pra receber o livro (risos).

E o dinheiro do governo estadual, do Registro de Patrimônio Vivo com que você foi contemplado?
Não tá chegando, não.

O que restou de positivo ou negativo na sua carreira?
A minha vida de poeta foi boa. Eu tive oportunidade de conhecer dezoito capitais do Brasil, e muitas outras cidades. Tudo isso através da viola. Participei de vários festivais, fui muito premiado. Agora, financeiramente, eu fiquei lascado. Esse é o lado negativo.

Então, hoje não dá pra viver da cultura?
Dá, não. Vejam aí também o caso do Dia da Poesia. Todos expulsos da Cobal. Viver de cultura, em Mossoró, é isso.

Que mensagem você remeteria àqueles que pensam ou estão se iniciando na envolvente e difícil arte da literatura de cordel?
Escrevam, progridam. Vão em frente. Agora, o conselho que dou é que procurem outra coisa. Se for viver de cultura, morre de fome. Veja o meu caso.


Como se define Luiz Campos?
Eu fui um batalhador pela literatura de cordel. Tenho muito amor pela poesia, escrever poesia, tudo na minha vida tem que ter poesia. A poesia está em todos os momentos da minha vida. Infelizmente, a minha mágoa é que não dá pra viver da poesia. Pra vocês verem como a poesia está em tudo, hoje eu moro só — como vocês atestaram quando chegaram lá em casa. Entretanto, até bem pouco eu vivia com uma mulher que se encostou, talvez, por interesse. Quando ela viu que o dinheiro da Fundação José Augusto não estava entrando, ela me deixou. Aí eu fiz uma quadrinha em oferecimento a ela, que diz: “Nosso amor foi um aborto/ Antes de nascer morreu/ E devido nascer morto/ Por isso que não cresceu”. Depois ela quis voltar e eu não quis mais (risos). Fiz uma outra quadrinha, esta sobre a minha que diz “Eu sou um ser que surgiu/ Do ventre de uma senhora/ Quando eu nasci ninguém riu/ Quando eu morrer ninguém chora”. Amigos, poesia pra mim é tudo.

A poesia ainda é uma arma de conquista, Luiz?
Acho que não. A poesia só conquista quem gosta de poesia. Eu, por exemplo, vejo poesia em tudo. Muitas vezes faço poesia só pra mim, ao ver pássaros, flores, os campos.

Como é que você quer ser lembrado?
Depois que eu morrer não precisa mais se lembrar de mim. Melhor seria que se lembrassem de mim enquanto estou vivo. E estamos conversados.

Quando a gente ouve você declamando o “Carta a Papai Noel”, não há como não se emocionar. Como surgiu?
Eu tenho um grande amigo que mora em Natal, o Aldivan Honorato. Ele foi pobre como eu sou hoje. Depois ele melhorou de vida, foi gerente de banco, e em todas as cidades que ele trabalhou como gerente, ele me levava pra fazer cantoria. Nas sedes da AABB. Lembro que estava no Estado do Ceará quando o filho dele se aproximou perguntando por que eu não fazia uma poesia de criança. Aquilo me tocou. Realmente, eu nunca havia feito uma poesia de criança. Fui embora e, dentro de um ônibus, a ideia começou a fluir. Era um dezembro e eu lembrei que o pai dele tinha sido pobre como eu. Aí surgiu essa poesia que é muito pedida onde ando. É uma poesia cabocla. Aliás, eu escrevo poesia cabocla pelo medo de errar. Mas vocês querem a Carta a Papai Noel, é?

É.

CARTA A PAPAI NOEL
Seu moço eu fui um garoto
Infeliz na minha infância
Que soube que fui criança
Mas pela boca dos ôto…
Só brinquei com gafanhoto
Que achava nos tabuleiro
Debaixo dos juazeiro
Com minhas vaca de osso
Essas catrevage, moço,
Que se arranja sem dinheiro.
Quando eu via um gurizim
Brincando de velocipe,
De caminhão e de jipe,
Bola, revólve ou carrim
Sentia dentro de mim
Desgosto que dava medo,
Ficava chupando o dedo
Chorando o resto do dia
Só pruque eu num pudia
Pegá naqueles brinquedo.
Mas preguntei certa vez
A uns fio dum dotô
Diga, fazendo um favô
Quem dá isso prá vocês?
Mim respondeu logo uns três
Isso aqui é os presente
Que a gente é inocente
Vai drumí às vezes nem nota
Aí Papai Noé bota
Perto do berço da gente.

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