ARTIGO.
Muita gente, diante dos discursos e posturas da deputada Myrian Rios
(PSD-RJ), acha que ela é simplesmente obtusa. Discordo. A trajetória da
deputada prova que burra não é. De atriz sem talento, que posou nua,
tornou-se paladina da moral e dos bons costumes. Não é uma trajetória
incomum. Mulheres que exibem a sensualidade muitas vezes vivem o que
chamo de síndrome de Maria Madalena. Arrependem-se do passado, tornam-se
defensoras dos mais rançosos princípios morais e de uma pretensa
espiritualidade. É um duplo efeito da lei da gravidade: enquanto o peito
cai, o espírito se eleva. Exemplo disso foi Elvira Pagã, vedete do
teatro rebolado, primeira a usar biquíni na praia: na maturidade
dedicou-se a pintar quadros esotéricos.
Já vi acontecer muitas vezes com
diabinhas menos famosas. De tão universal, botei a personagem na novela
Gabriela, exibida no ano passado pela Globo. “Dorotéia”,
interpretada pela atriz Laura Cardoso, não existia no romance original
de Jorge Amado. Mas tinha a ver com seu universo. Era a vigilante da
moral e dos bons costumes na Ilhéus dos anos 1920. Fiscalizava o
comportamento das sinhás e suas filhas e denunciava qualquer
transgressão. No final, descobriu-se que na juventude fora prostituta e
dançava nua nos cabarés. Magnificamente interpretada por Laura,
“Dorotéia” tornou-se ícone na internet, com seus comentários
moralizantes.
Conheci Myrian Rios rapidamente quando era casada com o cantor Roberto
Carlos. Usava uma microssaia espantosamente curta. Mais tarde se tornou
missionária e elegeu-se deputada com o apoio evangélico. Faz pouco, teve
sancionada pelo governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, a lei que
estabelece o “programa de resgate de valores morais, sociais, éticos e
espirituais”. Ninguém sabe exatamente do que se trata esse programa.
Mesmo porque a espiritualidade não é regida pelo Estado. Como Sérgio
Cabral não se elegeu papa, nem é bispo evangélico ou babalorixá, nem
sequer imagino o que pretenda fazer quanto à lei que sancionou. Myrian
Rios foi criticada nas redes sociais. Nem é a primeira vez: no passado,
insinuou que os homossexuais seriam pedófilos, provocando revolta
generalizada.
Mas sinto que não está sozinha nessa cruzada moralista.
Uma onda conservadora assola o país. Com frequência, o discurso moral
ocupa o lugar do político. Na eleição para a prefeitura em São Paulo, o
então candidato e atual prefeito, Fernando Haddad (PT), foi acusado pelo
candidato José Serra (PSDB) de tentar distribuir um “kit gay” quando
ministro da Educação. Aliás, em 2010, o “kit gay”deixou de ser
distribuído após pressão da bancada evangélica.
Há outras evidências: agressões e assassinatos de homossexuais são frequentes; surgiu um movimento contra a legalização da prostituição, proposta pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). Como se estar a favor da legalização equivalesse a defender a prostituição em si. E não somente desejar que as prostitutas tenham direitos como outros trabalhadores.
Pessoalmente, sempre fui muito próximo dos evangélicos. Meu falecido tio Domingos, irmão de minha mãe, foi pastor presbiteriano. Tive um primo missionário na África. Como cristão, aprendi a conviver com quem tem ideias diferentes das minhas. Só não acredito em impor o que a gente pensa ou agredir quem vive de forma diversa. Ultimamente surgiu o evangélico radical. Fundamentalista, que branda princípios supostamente retirados da Bíblia. Embora a doutrina cristã possa ser resumida em “Amai ao próximo como a ti mesmo”.
Há outras evidências: agressões e assassinatos de homossexuais são frequentes; surgiu um movimento contra a legalização da prostituição, proposta pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). Como se estar a favor da legalização equivalesse a defender a prostituição em si. E não somente desejar que as prostitutas tenham direitos como outros trabalhadores.
Pessoalmente, sempre fui muito próximo dos evangélicos. Meu falecido tio Domingos, irmão de minha mãe, foi pastor presbiteriano. Tive um primo missionário na África. Como cristão, aprendi a conviver com quem tem ideias diferentes das minhas. Só não acredito em impor o que a gente pensa ou agredir quem vive de forma diversa. Ultimamente surgiu o evangélico radical. Fundamentalista, que branda princípios supostamente retirados da Bíblia. Embora a doutrina cristã possa ser resumida em “Amai ao próximo como a ti mesmo”.
Historicamente, o
cristianismo implica abandono do “olho por olho, dente por dente” do
Antigo Testamento e propõe uma sociedade mais tolerante. Mas os novos
fundamentalistas querem punir, proibir. Políticos não evangélicos –
incluindo os que estão em cargos de poder – obedecem, para manter
coalizões.
O filme Os deuses malditos, de Luchino Visconti
(1969), mostra a ascensão do nazismo por meio da manipulação de uma
família. Mostra os pequenos e grandes fatos que conduziram a Alemanha
naquela direção. Agora, sinto um cheiro ruim de autoritarismo no ar. Há
um recuo com relação a conquistas que implicavam na convivência entre os
diferentes – a base da democracia, afinal.
Quando uma lei pela moral e
pelos bons costumes é sancionada, a agressão foi à sociedade. A deputada
Myrian Rios é a ponta de um iceberg. Eu me pergunto: o que leva uma
pessoa a achar que tem o direito de dizer como outra deve pensar e
viver?
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