-JUSTIÇA ASSEGURA ATIVIDADE DE MÚSICO SEM INSCRIÇÃO NA OMB



Em razão da Ação Civil Pública (processo nº 2005.84.00.002989-0), ajuizada pelo Ministério Público Federal, o Juiz da 4ª Vara da Justiça Federal do Rio Grande do Norte, Dr. Carlos Wagner Dias Ferreira, proferiu sentença que assegura a todos os músicos o direito de exercerem as suas atividades, independentemente de serem ou não inscritos na Ordem dos Músicos do Brasil.

veja abaixo, na íntegra, a decisão:




"AÇÃO CIVIL PÚBLICA
PROCESSO: 2005.84.00.002989-0
AUTORES: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉUS: ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL, CONSELHO REGIONAL DA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - CROMB/RN E UNIÃO

SENTENÇA

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL - OMB. DESCABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE PERIGO A BENS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA. DIPLOMAÇÃO EM CURSO SUPERIOR. DISPENSABILIDADE. LIVRE EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE MÚSICO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO.
- A liberdade de expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, garantida no inciso IX, do art. 5º, da Carta Política de 1988, sem as amarras da censura ou da prévia licença, corresponde a uns dos bens mais caros às sociedades pluralistas e democráticas.
- A atividade de músico, a não ser nas hipóteses em que se exige a diplomação em conservatórios, escolas ou institutos estrangeiros de ensino superior de música, legalmente reconhecidos, não representa perigo ou ameaça séria a algum bem ou valor de índole constitucional, tais como a vida, saúde, segurança, patrimônio ou mesmo a liberdade de uma maneira geral das pessoas, diferentemente do que ocorre com as profissões de advogado, engenheiro, médico, administrador, contabilista, dentre outras.
- A obrigatoriedade da inscrição no Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil - OMB, inserta no art. 16 da Lei 3.857/60, para que o músico profissional possa se apresentar publicamente ou desempenhar o seu ofício artístico, somente deve ser exigida dos músicos diplomados em conservatórios, institutos ou escolas de música de status universitário e que exerçam atividade específica (professor e diretor) em razão dessa qualificação, e não daqueles que dispensam tal formação acadêmica.- Procedência parcial do pedido.



Vistos etc.

I. RELATÓRIO

1. Cuida-se de ação civil pública promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL - OMB, CONSELHO REGIONAL DA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - CROMB/RN e UNIÃO, já devidamente qualificados na exordial, com patrono judicial constituído nos autos, buscando obter provimento jurisdicional para: a) declarar a inexistência de relação jurídica que autorize a limitação, no Estado do Rio Grande do Norte, do exercício da profissão de músico apenas aos cidadãos que preenchem os requisitos do artigo 28 da Lei n.º 3.857/60, assim como a obrigação de se inscrever perante a Ordem dos Músicos do Brasil, seu Conselho Federal ou quaisquer dos seus Conselhos Regionais, e o Ministério da Educação, para fins de exercício dessa profissão; b) condenar a Ordem dos Músicos do Brasil a suspender qualquer tipo de cobrança compulsória de anuidade de seus membros; suspender a exigência de registro dos cidadãos que desejem exercer a profissão de músico; anular todo e qualquer processo disciplinar instaurado com fundamento no exercício do poder de polícia previsto no artigo 18 da Lei n.º 3.857/60; e cancelar toda e qualquer sanção aplicada nos termos do artigo 19 da mesma Lei; c) condenar a União Federal a não mais exigir, através do Ministério da Educação ou qualquer outro órgão seu, o registro dos músicos atualmente atuantes e que vieram a atuar no Estado do Rio Grande do Norte como condição ao exercício dessa profissão; pugnando a fixação de multa na hipótese de descumprimento da decisão, devendo essa ser revertida em favor do Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos.

2. Alega o Ministério Público Federal que as hostilizadas exigências contidas na Lei n.º 3.857/60 ofendem as cláusulas constitucionais do livre exercício de profissão (art. 5º, inciso XIII), da liberdade de expressão (art. 5º, inciso IX) e do pleno exercício dos direitos culturais (art. 215), invocando ainda, como fundamento jurídico do pleito, precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que corroboram a tese defendida.

3. Acosta à inicial os documentos carreados às fls. 17/137.

4. O pedido de medida liminar foi indeferido, a teor da decisão de fls. 139/140.

5. Devidamente citado, o Conselho Regional do Estado do Rio Grande do Norte - CROMB/RN descansa sua peça defensória às fls. 144/168, suscitando, em sede de preliminar, a ilegitimidade do Ministério Público Federal para propor a ação, alegando não configurar no caso hipótese de tutela de interesses difusos, coletivos e muito menos individuais homogêneos; bem como a impossibilidade jurídica do pedido, sustentando não revestir-se a Ação Civil Pública de instrumento idôneo a provocar a declaração de inconstitucionalidade de espécie normativa.

6. No mérito, defende a total improcedência do pedido, asseverando, em breve síntese, que a atividade fiscalizadora da entidade esta em completa sintonia com a disciplina da Lei n.º 3.857/60, colacionando precedentes jurisprudenciais que revelam essa orientação.

7. Igualmente citado, o Conselho Federal da Ordem dos Músicos do Brasil - OMB, às fls. 176/185, inicialmente, suscita a impossibilidade jurídica do pedido e a ilegitimidade ativa ad causam do parquet federal, ratificando as razões expedidas pelo Conselho Regional.

8. Defende, no ambiente meritório, que não procede a pretensão autoral, aduzindo que o próprio texto constitucional restringe a eficácia do direito ao livre exercício profissional ao prever no art. 5º, inciso XIII, que esse direito será assegurado quando atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, in casu, a Lei n. 3.857/60.

9. A União hospeda sua defesa às fls. 238/242, argüindo como preliminares sua ilegitimidade passiva, afirmando não ter competência administrativa de impor qualquer exigência para o exercício profissional de músico; bem assim a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal para ingressar com esta demanda, destacando que a liberalidade do exercício da profissão de músico consiste em interesse individual.

10. No mérito, defende a improcedência da pretensão, ao argumento de que a Lei n. 3.857/60 não afronta a Constituição, uma vez que o direito de livre exercício profissional cuida-se de norma constitucional de eficácia contida, podendo a norma infraconstitucional reduzir a eficácia da Lei Magna.

11. O Parquet Federal manifestou-se sobre os pontos alegados pela defesa, rejeitando todas as preliminares suscitadas e reiterando os termos da exordial (fls. 244/251).


12. É o relatório do caso em estudo. Passo a decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

13. Pretende o Ministério Público Federal, por meio desta Ação Civil Pública, afastar a aplicabilidade dos preceitos contidos na Lei nº 3.857/60 que condicionam o exercício da profissão de músico, em específico, os comandos do art. 16 (inscrição no Conselho), art. 18 (carteira de habilitação de músico), art. 19 (penalidades aplicadas ao exercício ilegal da profissão) e o art. 28 da mesma lei, que enumera o rol de pessoas sujeitas à incidência do Estatuto da Ordem dos Músicos do Brasil.

14. No entanto, antes de ingressar no ambiente meritório, convém analisar as preliminares esgrimidas pelos Demandado de ilegitimidade passiva ad causam no Ministério Público Federal, possibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade ativa ad causam da União.

15. Inicialmente, considera os demandados que o órgão do parquet não ostenta legitimidade ativa para a causa, porquanto não se observa na espécie tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

16. Todavia, não merece acolhida tal prefacial. De observar, in casu, que o objeto jurídico da demanda revela-se na tutela de direito humano fundamental destinado a garantir a qualquer cidadão o livre acesso ao exercício profissional e expressão cultural, que transcende a esfera individual, traduzindo-se, por conseguinte, em interesse transindividual.

17. Registre-se, que na circunstância de prevalecer qualquer cerceamento a direito fundamental, na situação concreta, liberdade de exercício profissional, atingirá de maneira uniforme e indivisível toda uma classe de profissionais, estar-se-á, portanto, diante de uma ameaça a direito coletivo, razão pela qual o Ministério Público Federal detém legitimidade para intentar demanda no desiderato de promover a respectiva tutela coletiva, em homenagem ao comando constitucional inscrito no art. 129, inciso III, da Lei Maior.

18. Partindo dessa premissa, qual seja, da pertinência de interesse coletivo na discussão em tela, que se respalda a legitimidade ad causa do parquet federal para a propositura de ação civil pública. Conforme sedimentada jurisprudência da Colenda Corte Superior de Justiça, a qual claramente assentou que "a legitimação do Ministério Público para a propositura da ação civil pública está na dependência de que haja interesses transidividuais a serem defendidos, sejam eles coletivos, difusos, ou, ainda, os tidos por direitos ou interesses individuais homogêneos tratados coletivamente" (STJ - 2ª Turma - RESP 19751/MG - rel. Min. João Otávio de Noronha - DJU 06.06.2005, pág. 240).

19. No tocante a ilegitimidade passiva argüida pela União, esta, por sua vez, deve ser reconhecida. Isso porque, malgrado o art. 16 da Lei nº 3.857/60 mencione o registro profissional de músico no Ministério da Educação e Cultura, não compete ao órgão impor as restrições ora hostilizadas, porquanto são de competência da Ordem dos Músicos do Brasil, quer na esfera federal, quer na esfera regional.

20. O Demandado argüiu, ainda, preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, sob o argumento de que não se reveste a Ação Civil Pública de instrumento idôneo a provocar a declaração de inconstitucionalidade de espécie normativa, como propugna o Ministério Público Federal no caso em exame.

21. Com efeito, não merece maior análise por parte deste Juízo a preliminar acima referida, devendo a mesma ser rejeitada. Basta afirmar, que somente prospera a tese de impertinência de pedido de inconstitucionalidade em ação civil pública, quando esta ao invés de colimar por um bem jurídico, busca tão-somente, declarar a inconstitucionalidade na forma abstrata, ao arrepio dos idôneos mecanismos constitucionais de controle de constitucionalidade. Deveras, não é a circunstância dos autos.

22. A propósito, quanto à possibilidade jurídica incidental de inconstitucionalidade em sede de ação civil pública, a matéria não mais comporta discussões. Proclamou o Supremo Tribunal Federal não ocorrer usurpação da própria competência quando a inicial da ação civil pública encerra pedido de declaração de inconstitucionalidade de ato normativo abstrato e autônomo, seguindo-se o relativo à providência buscada jurisdicionalmente - Reclamação nº 2.460-1/RJ. Ressalva de entedimento. Reclamação 2.687/PA (TRF 4ª - 3ª Turma - AC 200204010226913/PR - rel. Desembargadora Vânia Hack de Almeida - DJU 16.11.2005, pág. 745)

23. Encerrada a apreciação das preliminares levantadas pelas partes demandadas, passo ao julgamento do mérito da lide.

24. O cerne da discussão trazida à baila neste mecanismo de tutela coletiva de direitos diz respeito, mais propriamente, à exigência de inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil, e conseqüências respectivas, para o exercício da profissão de músico.

25. Mas, para perscrutar a alegada constitucionalidade e/ou legalidade dessa exigência calcada na Lei nº 3.857, de 22 de dezembro de 1960, que instituiu a Ordem dos Músicos dos Brasil e disciplinou o exercício da profissão de músico, é imperioso aquilatar o alcance interpretativo do princípio da liberdade de exercício profissional encartado no inciso XIII, do art. 5º, da Constituição, em aparente colisão com o postulado da liberdade artística contemplado no inciso IX do mesmo versículo constitucional.

26. A Lei Fundamental de 1988 assegurou, no art. 5º, inciso XIII, o direito fundamental à liberdade de exercício profissional, condicionando-o apenas à obediência às exigências descritas na norma legal em sentido estrito, tendo em vista a primazia do postulado da reserva legal proporcional nele consagrado.

27. O princípio da reserva legal proporcional consagra a tese defendida no seio doutrinário de que a exclusividade da disciplina legal deve respeitar, de igual modo, o cânone da proporcionalidade da medida eventualmente restritiva de direito fundamental.

28. A letra constitucional, ao mesmo tempo em que cristaliza a liberdade de exercício da profissão, institui norma de eficácia contida e aplicabilidade imediata, na tradicional classificação capitaneada por José Afonso da Silva (Aplicabilidade das Normas Constitucionais), quando admite limitações atinentes às qualificações profissionais estabelecidas por lei.

29. No entanto, pelo espírito esboçado no texto no art. 5º, inciso XIII, da Carta Política de 1988, não basta que as restrições ao exercício profissional sejam consignadas em mera norma legal, mas sobretudo que estipulem condicionamentos e lindes que apresentem proporcional nexo lógico com as funções e atividades a serem desempenhadas na correlata profissão.

29. Ao dizer que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei", não simplesmente a Constituição assegurou o princípio da reserva legal, delegando à lei a disciplina da liberdade profissional, porém edificou ponte sólida e lógica que liga o exercício pleno do direito fundamental à observância da lei, à luz das qualificações profissionais exigidas e fielmente correspondentes ao desempenho da atividade, em verdadeira homenagem ao postulado da reserva legal proporcional.

30. No plano infraconstitucional, o art. 16 da Lei 3.857/60 restringe o exercício da profissão de músico apenas àqueles "regularmente registrados no órgão competente do Ministério da Educação e Cultura e no Conselho Regional dos Músicos sob cuja jurisdição estiver compreendido o local de sua atividade" (grifos acrescidos).

31. Mais a frente, a Lei 3.857/60 descreve as classificações e atividades que podem ser desempenhadas pelos músicos profissionais, assim delineadas:

"Art. 29 - Os músicos profissionais, para os efeitos desta lei, se classificam em:
a) compositores de música erudita ou popular;
b) regentes de orquestras sinfônicas, óperas, bailados, operetas, orquestras mistas, de salão, ciganas, jazz, jazz-sinfônico, conjuntos corais e bandas de música;
c) diretores de orquestras ou conjuntos populares;
d) instrumentais de todos os gêneros e especialidades;
e) professores de todos os gêneros e especialidades;
f) professores particulares de música;
g) diretores de cena lírica;
h) arranjadores e orquestradores;
i) copistas de música.
"Art. 30 - Incumbe privativamente ao compositor de música erudita e ao regente:
a) exercer cargo de direção nos teatros oficiais de ópera ou bailado;
b) exercer cargos de direção musical nas estações de rádio ou televisão;
c) exercer cargo de direção musical nas fábricas ou empresas de gravações fonomecânicas;
d) ser consultor técnico das autoridades civis e militares em assuntos musicais;
e) exercer cargo de direção musical nas companhias produtoras de filmes cinematográficos e do Instituto Nacional de Cinema Educativo;
f) dirigir os conjuntos musicais contratados pelas companhias nacionais de navegação;
g) ser diretor musical das fábricas de gravações fonográficas;
h) dirigir a seção de música das bibliotecas públicas;
i) dirigir estabelecimentos de ensino musical;
j) ser diretor técnico dos teatros de ópera ou bailado e dos teatros musicados;
k) ser diretor musical da seção de pesquisas folclóricas do Museu Nacional do Índio;
l) ser diretor musical das orquestras sinfônicas oficiais e particulares;
m) ensaiar e dirigir orquestras sinfônicas;
n) preparar e dirigir espetáculos teatrais de ópera, bailado ou opereta;
o) ensaiar e dirigir conjuntos corais ou folclóricos;
p) ensaiar e dirigir bandas de música;
q) ensaiar e dirigir orquestras populares;
r) lecionar matérias teóricas musicais a domicílio ou em estabelecimentos de ensino primário, secundário ou superior, regularmente organizados.
§ 1º - É obrigatória a inclusão do compositor de música erudita e regente nas comissões artísticas e culturais de ópera, bailado ou quaisquer outras de natureza musical.
§ 2º - Na localidade em que não houver compositor de música erudita ou regente, será permitido o exercício das atribuições previstas neste artigo a profissional diplomado em outra especialidade musical.
"Art. 31 - Incumbe privativamente ao diretor de orquestra ou conjunto popular:
a) assumir a responsabilidade da eficiência artística do conjunto;
b) ensaiar e dirigir orquestras ou conjuntos populares.
Parágrafo único. O diretor de orquestra ou conjuntos populares, a que se refere este artigo, deverá ser diplomado em composição e regência pela Escola Nacional de Música ou estabelecimento equiparado ou reconhecido.
"Art. 32 - Incumbe privativamente ao cantor:
a) realizar recitais individuais;
b) participar como solista, de orquestras sinfônicas ou populares;
c) participar de espetáculos de ópera ou operetas;
d) participar de conjuntos corais ou folclóricos;
e) lecionar, a domicílio ou em estabelecimento de ensino regularmente organizado, a matéria de sua especialidade, se portador de diploma do Curso de Formação de Professores da Escola Nacional de Música ou de estabelecimento do ensino equiparado ou reconhecido.
Art. 33 - Incumbe privativamente ao instrumentista:
a) realizar recitais individuais;
b) participar como solista de orquestras sinfônicas ou populares;
c) integrar conjuntos de música de câmera;
d) participar de orquestras sinfônicas, dramáticas, religiosas ou populares, ou de bandas de música;
e) ser acompanhador, se organista, pianista, violinista ou acordeonista;
f) lecionar, a domicílio ou em estabelecimento de ensino regularmente organizado, o instrumento de sua especialidade, se portador de diploma do Curso de Formação de Professores da Escola Nacional de Música ou estabelecimento equiparado ou reconhecido."

32. Note-se - e isso é fundamental para o deslinde da causa - que a própria lei reserva a algumas categorias de músicos atribuições diferenciadas e consideradas de maior relevo, como, por exemplo, diretores de orquestra e conjuntos populares e professores, geralmente de formação acadêmica em conservatórios, escolas e instituições legalmente reconhecidas de nível superior em música.

33. Já, de outro vértice, a liberdade de expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, garantida no inciso IX, do art. 5º, da Carta Política de 1988, independe de censura ou outorga de licença. Não é demais lembrar que a liberdade de expressão, sem as amarras da censura ou da prévia licença, corresponde a uns dos bens mais caros às sociedades pluralistas e democráticas.

34. Além disso, a Constituição conferiu primazia aos bens culturais, quando proclama, no art. 215, que "O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais" (grifos acrescidos).

35. Nestes termos, em princípio, se, de um lado, ao músico seria conferido o direito de livremente expressar composições, cânticos e letras musicais, como extensão da liberdade de pensamento e de idéias, por outro, estaria submetido a eventuais lindes legais que poderiam exigir o respeito a determinados critérios e requisitos constantes em lei, que poderiam restringir, em última instância, a liberdade artística.

36. De fato, se todos os músicos somente pudessem expressar o ofício musical, mediante prévia inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil, tal como estipula o art. 16 da Lei 3.857/60, certamente estaria esvaziado, por completo, o princípio da liberdade de expressão artística. Daí porque é possível compatibilizar os princípios da liberdade profissional sob as vistas da reserva legal e da liberdade de expressão artística supostamente em colisão, em prol deste último, sem sacrifícios dos seus respectivos núcleos essenciais mínimos que os caracterizam.

37. Esse aparente confronto entre princípios constitucionais não se rende a um melhor exame das peculiaridades das múltiplas manifestações de expressão da liberdade artística e de pensamento do músico.

38. As variadas formas de expressão da atividade musical estão a exigir tratamento diferenciado, a depender da presença de interesse público a tutelar, harmonizando os princípios constitucionais da liberdade de exercício profissional e da liberdade artística e de expressão.

39. O conteúdo da liberdade em geral ostenta íntima conexão com a sublimação da autonomia e a autodeterminação do indivíduo até o ponto de não prejudicar interesses pertencentes a terceiros. A liberdade de expressão, por seu turno, apresenta idêntico caráter. Constitui-se em livre manifestação do pensamento e de idéias de qualquer natureza, porém se acha condicionado aos interesses de terceiros, com realce para aqueles de berço constitucional.

40. Lastreado nas lições de John Stuart Mill, ANDRÉ RAMOS TAVARES, em ensaio monográfico dedicado ao tema da liberdade de expressão, registra que há muito o exercício da liberdade implica a proteção de terceiros, quando ensina:

"A definição de John Stuart Mill apresenta algo a mais, uma definição mais completa da liberdade, qual seja, de que a única liberdade merecedora deste nome é a de buscar o nosso próprio bem, da forma que cada um o conceba, desde que não se tente privar terceiros dos seus, ou impedir suas tentativas de o obterem (cf. Mill, 1942:38, original não grifado).
"Depreende-se da simples leitura de seus ensinamentos que, para o autor, a liberdade é a possibilidade de tudo fazer, desde que não se prejudique terceiros. Tal entendimento encontra-se estampado na Declaração dos Direitos de 1789, art. 4:'A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo destes mesmos direitos'.
"Pode-se verificar que tal conceito é mais amplo que os demais. Nele, a liberdade não fica reduzida à mera permissão ou ausência de proibição legal. Tem como sustentáculo o (i) respeito e (ii) responsabilidade, diferenciando-se da liberdade individual ilimitada, referida por Pontes de Miranda (1979:291), que é, segundo Sampaio Dória, 'o poder de fazer tudo o que se deseje' (1942:10), e que pode ser melhor conceituada como arbitrariedade. Esta, como é imediatamente verificável, não pode ser inserida nos quadrantes de um Estado Constitucional de Direito." (Liberdade de Expressão-Comunicação, In: Direito Constitucional Contemporâneo, Estudos em homenagem ao Professor Paulo Bonavides, Belo Horizonte, Del Rey, 2005, págs. 51/52) (grifos acrescidos).

41. Nesta linha de raciocínio, mais especificamente no campo das manifestações musicais, a limitação da liberdade artística do músico profissional recairia sobre aquelas atividades que importassem em potencial risco de prejuízo a terceiros, daí surgindo o interesse público que justificaria o exercício do poder de polícia estatal.

42. A rigor, a atividade de músico, a não ser nas hipóteses em que se exige a diplomação em conservatórios, escolas ou institutos estrangeiros de ensino superior de música, legalmente reconhecidos, não representa perigo ou ameaça séria a algum bem ou valor de índole constitucional, tais como a vida, saúde, segurança, patrimônio ou mesmo a liberdade de uma maneira geral das pessoas, diferentemente do que ocorre com as profissões de advogado, engenheiro, médico, administrador, contabilista, dentre outras. Ao contrário, a música em si enriquece e renova o espírito, preenche a alma de alegria, provocando sensações de prazer e de bem-estar, nunca acarreta danos à vida, à saúde, à segurança, ao patrimônio ou à liberdade dos cidadãos.

43. A valoração da arte musical, por se encontrar sujeita à censura popular, não revela potencialidade lesiva que justifique a fiscalização das entidades de categoria profissional. E tanto isso é verdade que a qualidade da manifestação da arte da música e de seus cantores e intérpretes, como é cediço, já se submetem à fiscalização da opinião pública, falecendo, portanto, em princípio, interesse público do tecido social de ser protegido pelo poder de polícia exercido pela Ordem dos Músicos do Brasil.

44. A liberdade de expressão musical a autorizar a inexigibilidade de inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil, contudo, há de merecer oportuna ponderação. É que determinadas atividades e ofícios especiais ligados à arte musical exigem qualificação profissional de diplomação em conservatórios, escolas ou institutos estrangeiros de ensino superior de música, legalmente reconhecidos, em compasso com o preceituado nos arts. 29 a 40 da Lei 3.857/60, como o magistério e o exercício da função de diretor de orquestra ou conjuntos populares e, nesses casos, os músicos profissionais, por desencadearem tarefas de relevante potencialidade lesiva à formação e ao desenvolvimento musical de terceiros, ficam passíveis de fiscalização pelo Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil.

45. Assim, a obrigatoriedade da inscrição no Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil, inserta no art. 16 da Lei 3.857/60, para que o músico profissional possa se apresentar publicamente ou desempenhar o seu ofício artístico, somente deve ser exigida dos músicos diplomados em conservatórios, institutos ou escolas de música de status universitário e que exerçam atividade específica (professor e diretor) em razão dessa qualificação, e não daqueles que dispensam tal formação acadêmica.

46. Nesta mesma trilha, impende coletar alguns precedentes das Cortes Regionais Federais que acompanham o mesmo entendimento firmado neste julgamento, como se depreende das ementas transcritas a seguir:

"ADMINISTRATIVO. ORDEM DOS MÚSICOS. FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL.
1.- É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendida as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
2.- O legislador pode definir as profissões e ofícios que necessitam de qualificações profissionais, desde que haja razoabilidade na definição, sempre atendendo às exigências técnicas visando a proteção de bens como a vida, saúde, segurança, liberdade entre outros.
3.- Eventuais atos arbitrários praticados pela Ordem dos Músicos, como vício no exame de ingresso, maculam sua imagem, mas não conduzem à inconstitucionalidade da lei que a criou.
4.- Os músicos passíveis de fiscalização pelo Conselho são os músicos profissionais diplomados, que não apenas exercem a atividade de músico, mas atuam em atividades especiais, como magistério, ensino superior, maestro, dentre outros, para as quais a diplomação em curso superior é exigível.
5.- Músicos que atuam em segmentos para os quais a formação superior é dispensável não dependem de inscrição na Ordem dos Músicos, porquanto afronte ao direito de liberdade de expressão. Inteligência do art. 5.º, III e 170, ambos da Constituição Federal, combinado com o art. 28 da Lei n.º 3857/60.
6.- Há razoabilidade na criação de um conselho de fiscalização profissional para os músicos na medida em que estes são agentes e promotores da cultura em diversos níveis de compreensão.
7.- Apelo e remessa oficial parcialmente providos." (TRF - 4ª Região, AC 200070000242009-PR, 4ª Turma, Rel. Des. João Pedro Gebran Neto, unânime, j. 07/02/2002, DJU 13/03/2002, pág. 989) (grifos acrescidos).

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MÚSICOS. INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL. INEXIGIBILIDADE. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. DESNECESSIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. A garantia constitucional do art. 5º, inc. IX, da CF/88 resguarda a qualquer um o direito de, livremente, manifestar a arte.
2. A atividade a ser fiscalizada deve ser potencialmente lesiva, justificando a atuação no sentido de proteger a sociedade. Compreendida assim a função dos conselhos profissionais, transparece a inadequação de sua atuação na fiscalização dos músicos.
3. A Constituição Federal permite restrições pela lei ordinária, todavia não é toda e qualquer restrição. O legislador não poderá impô-las indiscriminadamente, devendo observar outros princípios constitucionais, preponderantemente o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, com suporte material na cláusula do devido processo legal.
4. A inscrição na OMB deve ser exigida somente dos músicos diplomados com curso superior e que exerçam atividade em razão dessa qualificação, bem como dos que exerçam função de magistério, sejam regentes de orquestras ou delas participem como integrantes.
5. Os músicos que simplesmente apresentam-se para sobreviver, e que representam a cultura popular, não podem sofrer qualquer exigência que configure restrição à manifestação artística.
6. Dispensável a argüição de inconstitucionalidade da Lei nº 3.857/60 perante o Plenário desta Corte, pois segundo o entendimento do STF (p. ex. ADIMC-5/SP e ADIMC-381/DF) a incompatibilidade entre lei infraconstitucional e a Constituição, quando aquela é anterior a esta, se circunscreve ao âmbito da revogação e não da inconstitucionalidade.
7. Tratando-se de ação civil pública, a condenação em honorários advocatícios, quando a ação é de improcedência, é disciplinada pelo art. 17 da Lei 7.347/85, que prevalece sobre o disposto no art. 20 do CPC, somente sendo cabível sua fixação contra associação, quando esta for autora, sucumbente e considerada como litigante de má-fé.
8. Prejudicado o recurso do Ministério Público, no tópico, pois diante do parcial provimento obtido na questão de fundo, a OMB sucumbiu na maior parte do pedido, devendo arcar com os honorários advocatícios, fixados estes em dois mil reais, que devem ser revertidos ao fundo ao qual se refere o art. 13 da Lei nº 7.347/85.
9. Apelação parcialmente provida." (TRF - 4ª Região, AC 200070000284648-PR, 3ª Turma, Rel. Des. Marga Inge Barth Tessler, unânime, j. 20/05/2003, DJU 04/06/2003, pág. 557) (grifos acrescidos).

"CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL. EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE MÚSICO. INTEGRANTE DE SIMPLES GRUPO MUSICAL. REGISTRO. INEXIGIBILIDADE.
1. A inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil é obrigatória apenas aos musicistas que desempenham atividades que exigem capacitação técnica específica ou formação superior, a teor dos arts. 29 a 40 da Lei nº 3.857/60.
2. Simples grupos musicais, que se dedicam informalmente ao exercício da atividade musical, não estão sujeitos ao registro na OMB, porquanto: a) a Carta da República garante a liberdade de expressão artística, independentemente de censura e prévia licença (CF, art. 5º, IX) e b) a inexistência de potencialidade ofensiva à sociedade em razão da atividade exercida por este segmento dos músicos afasta o interesse estatal em exercitar o poder de polícia no concernente à fiscalização de eventual mau desempenho da atividade musical.
3. Apelação do Impetrante provida para declarar a ilegalidade da exigência de sua inscrição na OMB." (TRF - 1ª Região, AMS 200036000096690-MT, 5ª Turma, Rel. Des. Fagundes de Deus, unânime, j. 6/12/2002, DJU 21/2/2003, pág. 55) (grifos acrescidos).

47. Desse modo, como a inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil só é obrigatória aos musicistas que desempenham atividades que exijam capacitação técnica específica de formação superior, nos moldes tracejados nos arts. 29 a 40 da Lei 3.857/60, impõe-se acolher parcialmente a suplica formulada pelo Ministério Público Federal, no sentido de afastar a incidência do art. 16 da lei supra, bem como os desdobramentos desse dispositivo, dos músicos que não se enquadram no rol de profissionais cuja formação superior é necessária para o desempenho de atividades específicas, em consonância com o que fora exposto.

III. DA PARTE DISPOSITIVA

48. Diante desse cenário, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, OS PEDIDOS deduzidos pelo Ministério Público Federal na peça inaugural, para determinar que os Réus cessem integralmente a aplicação de qualquer sanção decorrente da inobservância das regras contidas na Lei nº 3.857/60, pertinentes a não inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil, suspendendo essa exigência e garantido o livre exercício da profissão de músico a qualquer cidadão, salvo para os profissionais, cujas atividades requerem capacitação técnica específica ou formação superior, a teor dos arts. 29 a 40 da Lei nº 3.857/60, bem como, para declarar a nulidade dos procedimentos administrativos já iniciados em dissonância com esse comando jurisdicional, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

49. Ademais, JULGO EXTINTO O FEITO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, em relação à União, em virtude da sua ilegitimidade passiva ad causam, com fulcro no art. 267, VI, do Estatuto Processual Civil.

50. Condeno os Réus, ainda, ao pagamento de custas processuais e da verba honorária advocatícia no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa na inicial, recolhendo-se o montante em prol do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (arts. 11 e 13, da Lei nº 7.347/85).

51. P.R.I.

Natal/RN, 30 de janeiro de 2006.

CARLOS WAGNER DIAS FERREIRA

Juiz Federal Substituto em substituição na 4ª Vara"



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Herbert Mota



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MENSAGEM - Do conterrâneo David Leite, que cumpre missão mais que intelectual lá pras bandas da União Européia, recebi um belíssimo poema que, por ter total pertinência com o momento, posto-o a seguir.


O MODERNO CARNAVAL

(Por David de Medeiros Leite)


À procura de um grito de alegria,

põe-se a alma a entoar sua canção,

quando dentro do próprio coração

forte anseia o mergulho na folia


Já não há mais confete e serpentinas;

a inocência de outrora se perdeu...

Sexo, droga e violência – é o apogeu!

Tudo impresso nas mentes e retinas.


Sobre o beijo roubado em quatro noites

está o verbo “ficar” com seus açoites,

Tendo em vez de amor, promiscuidade.


Quem se opõe, leva a alcunha de careta...

todos seguem ao som de uma carreta,

sem fronteira de sexo, cor e idade.


*David de Medeiros Leite é advogado e professor da UERN davidmleite@hotmail.com


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