ARTIGO
OS RISCOS DA INTOLERÂNCIA
Por Paulo Afonso Linhares - advogado
Esse
filme o mundo já viu: do represamento de insatisfações de amplos
setores das sociedades da Europa ocidental, sobretudo, diante do
crescente desemprego, explodiram revoltas estudantis que por pouco não
incendeiam o mundo inteiro. As elites dominantes de então jamais puderam
compreender porque os jovens se jogavam em violentos confrontos contra o
aparato de segurança do Estado.
Para elas, os irados meninos das
barricadas eram baderneiros irresponsáveis que apenas mereciam gás
lacrimogêneo e cassetetes no lombo. Os resultados dessa cegueira
política tiveram profundas repercussões políticas e sociais nas vidas
dos povos a partir do final dos anos '60. O mundo jamais seria o mesmo,
após essa explosiva mistura de insatisfação social e contracultura
ameaçar as bases das sociedades ocidentais.
Interessante
é que nas últimas semanas focos de insatisfação começaram a explodir
nas ruas de capitais europeias e já chegaram por aqui: São Paulo tem
sido sacudida por violentos protestos estudantis, sendo a burguesérrima
Avenida Paulista transformada em praça de guerra. Interessante é que
essas explosões de violência têm motivações banais como os pequenos
aumentos nas passagens dos transportes coletivos urbanos; por 20
centavos a mais, jovens de classe média vão para violentos confrontos
com as forças policiais em plena Paulista e em outras capitais.
O pau
corre solto, as pedras voam para todos os lados, as bombas de gás
lacrimogêneo, vidraças partidas e veículos danificados. No Rio de
Janeiro, esta semana, houve igualmente confrontos entre manifestantes e
tropas de choque. Em várias outras capitais do país ocorreram
manifestações semelhantes, inclusive em Natal. Em recente artigo na
Folha (13/06/2013), o insuspeito jornalista Elio Gaspari afirmou: ”Os
distúrbios começaram às 19h10, pela ação da polícia, mais precisamente
por um grupo de uns 20 homens da Tropa de Choque, com suas fardas
cinzentas que, a olho nu, chegaram com esse propósito.”
Todavia,
para autoridades, empresários e a grande imprensa têm discurso
uníssono: baderneiros, vagabundos e agressores do patrimônio público. No
Jornal da Globo, o asqueroso Arnaldo Jabor baba de ódio no canto da
boca a dizer cobras e lagartos dos manifestantes da Paulista. Um "dejá
vu" quarenta anos depois. Desta feita, finalmente unidos num mesmo
discurso o governador tucano e o prefeito petista de São Paulo, ambos
com idêntica e raivosa intolerância ao vociferar contra os protestos dos
estudantes, sem jamais tentar uma compreensão do fenômeno social que
imanta esses fatos preocupantes e evidenciadores de insatisfações
represadas, mormente aquelas derivadas da insegurança do crescente
desemprego e da falta de oportunidades no acesso ao mercado de trabalho.
Por incrível que pareça, até o duríssimo primeiro-ministro da Turquia,
Recep Erdogan, apesar de dar um ultimato aos manifestantes para que
deixem o Parque Guézi, em Istambul, já conversou com as lideranças do
movimento. Aqui não, somente tonfa, balas de borracha e gás
lacrimogêneo.
Parece
que as autoridades encasteladas no poder, atualmente, não se dão conta
da miopia que as acomete; vociferar contra os jovens, chamando-os de
baderneiros ou vagabundos e contra eles jogando batalhões de choque da
polícia ostensiva, com bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes
(atualmente, as chamadas "tonfas"), não é o melhor modo de resolver os
problemas que são o pano de fundo desses recentes conflitos. De algum
modo, efetivamente deveria ser tentado o diálogo com esses jovens.
Afinal, nas sociedades contemporâneas é essencial a busca do consenso
para solução dos inevitáveis impasses que se apresentam; transformar
essas insatisfações em meros casos de polícia parece ser um
despropósito, mesmo porque a radicalização desses confrontos termina por
estimular uma espiral de violência.
A
intolerância das autoridades públicas é um excelente caldo de cultura
para a violência de manifestações como as ocorridas recentemente em São
Paulo. E albergam um potencial perigo de graves e duradouros confrontos,
inclusive com a presença de organizações voltadas para o exercício da
violência política em diversos níveis. Lastimável que isto possa
acontecer, pois são por demais sabidos os resultados: hoje, uma Comissão
da Verdade apura o que de torturas, desaparecimentos e mortes
resultaram da intolerância política dos anos '60 e '70.
De
repente, nesse contexto de marasmo e de falta de perspectivas, os
jovens acabam por encontrar uma justificativa, uma razão de lutar, para
revidar com monumental agressividade os ataques dos batalhões de choque
da polícia. Afinal, um astuto pensador florentino, Niccolò Machiavelli,
já ensinava que o confronto violento (ele falava mesmo era de "guerra") é
justo quando necessário e santa a arma quando o único caminho. Os mais
velhos, autoridades, empresários ou jornalistas, que viram os anos '60 e
suas consequências, deveriam mesmo era criar juízo e buscar o diálogo
possível. Longe das saídas fáceis e não menos preconceituosas, no rumo
imprescindível do consenso. Esses jovens merecem uma chance de aprender o
quanto há de construtivo na tolerância e no diálogo franco como
pressuposto dos espaços consensuais na ordem republicana. Vale a pena
apostar nisto. Se a alma não for pequena.
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