ARTIGO.

SOCIEDADE ENTRE CÔNJUGES NO DIREITO BRASILEIRO.
No início do século passado, a sociedade constituída por cônjuges era condenada por nossa doutrina, sendo o seu ato constitutivo, muitas vezes, declarado nulo por nossos tribunais. O fundamento principal para tais decisões estava na irrevogabilidade do regime de bens, no principio do poder marital e na fraude contra credores.

Nesta linha, afirmava Carvalho de Mendonça (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. III, n. 646) não ser lícito aos cônjuges contratar sociedade por ofensa ao instituto do poder marital, produzindo necessariamente a igualdade de direitos incompatíveis com os direitos do marido como chefe do casal. Ademais, conforme lições do citado comercialista, sendo o regime de bens adotado o da comunhão universal, não haveria vantagens na constituição sociedade, quer para os cônjuges, pois os lucros eventualmente auferidos seriam comuns, quer para eventuais credores, pois suas garantias não melhorariam com a constituição da sociedade. Ainda que fosse adotado outro regime de bens, a constituição da sociedade poderia servir como instrumento para fraudar o regime de bens adotado ou os pactos antenupciais celebrados que buscavam separar os bens integrantes do patrimônio pessoal de cada cônjuge.

No entanto, com a promulgação da Lei 4.121/62, que introduziu em nosso ordenamento jurídico o Estatuto da Mulher Casada, a mulher casada passou a ser considerada plenamente capaz e apta para exercer atividades fora do lar sem a necessidade de autorização marital. Tais modificações aniquilam por completo o argumento daqueles que consideravam a sociedade entre cônjuges uma ofensa ao poder marital.

Persistia, entretanto, a questão da proteção ao regime de bens adotado pelos cônjuges em seus casamentos, já que para alguns juristas a sociedade constituída entre cônjuges poderia ser utilizada como instrumento para infringir o regime de separação de bens adotado. No entanto, por não haver expressa vedação em nosso ordenamento jurídico, pacificou-se, tanto na doutrina, como na jurisprudência, o entendimento de que o ato constitutivo da sociedade entre cônjuges deveria ser considerado plenamente válido e eficaz, desde que a sociedade não fosse utilizada como instrumento para fraudar o regime de bens adotado pelos cônjuges em seu casamento.

Com a entrada em vigor do nosso atual Código Civil, voltou à tona a discussão, outrora superada, acerca da possibilidade dos cônjuges participarem, como sócios, de uma mesma sociedade. Isso porque, o artigo 977 do Código Civil faculta aos cônjuges contratar sociedade entre si ou com terceiros, desde que não tenham casados no regime de comunhão universal, ou no de separação obrigatória de bens. Deste modo, segundo o citado dispositivo legal, somente os casados sob os regimes de separação convencional, de comunhão parcial e de participação final nos aquestos, poderão contratar sociedade entre si e com terceiros.

Ora, proibir aqueles que tenham casado sob o regime de comunhão universal ou de separação obrigatória, contratar sociedade entre si ou com terceiros, não me parece ser razoável, tampouco estar amparado nos preceitos constitucionais que asseguram a liberdade de associação para fins lícitos (CF, art. 5º, XVII) e a livre iniciativa (CF, art. 170).

Ademais, ainda que admitida tal vedação, ela deve se limitar à participação dos cônjuges em uma mesma sociedade, sendo desprovido de qualquer fundamento limitar a contratação com terceiros. Neste sentido, conforme orientações do Conselho de Justiça Federal (Enunciado n. 205), na III Jornada de Direito Civil, a vedação à participação de cônjuges casados nas condições estabelecidas no artigo 977 do Código Civil, refere-se unicamente a uma mesma sociedade.

De qualquer modo, mesmo que a vedação contida no citado artigo tenha sua aplicação limitada à contratação de sociedade entre os cônjuges, frágil é o argumento daqueles que a defendem, sobretudo, quando o regime de bens adotado for o de separação obrigatória. Isso porque a justificativa para tal vedação está na possibilidade da má utilização da sociedade pelos cônjuges como instrumento para fraudar o regime importo por lei. Ora, a simples possibilidade de fraude não pode ser fundamento para a vedação legal, geral e irrestrita, que ao presumir a fraude, veda a liberdade de associação constitucionalmente assegurada a todos.

No entanto, ainda que admitida a vedação, é importante ressaltar que ela não se aplica, em hipótese alguma, às sociedades institucionais disciplinadas pela Lei 6.404/76 (sociedade anônima e sociedade em comandita por ações), bem como pela Lei 5.764/71 (cooperativas), em que não há contrato celebrado entre sócios, uma vez que tais sociedades têm como ato constitutivo um estatuto social.

Outro ponto relevante a ser ressaltado é o fato de que, conforme orientações do Conselho de Justiça Federal (Enunciado n. 204), na III Jornada de Direito Civil, a vedação do artigo 977 do Código Civil só atinge as sociedades contratuais constituídas após a sua entrada em vigor, ou seja, 10 de janeiro de 2003. Neste mesmo sentido, o Departamento Nacional do Registro de Comércio – DNRC, através do parecer 125, posicionou-se no sentido de que a vedação contida no artigo 977 não se aplica às sociedades entre cônjuges já existentes à data de entrada em vigor do Código Civil.

Conclui-se, diante do analisado, que a sociedade entre cônjuges no Direito Brasileiro é lícita e as limitações impostas pelo artigo 977 do Código Civil só se aplicam às sociedades constituídas após 10 de janeiro de 2003 e que sejam de natureza contratual, excluindo-se, portanto, as sociedades por ações e as cooperativas. Ademais, não há qualquer fundamento razoável para se vedar aos cônjuges, independentemente do regime de bens adotado, a contratação de sociedade com terceiros e, mesmo a contratação de sociedade entre si, ainda que não haja um consenso em nossa doutrina e jurisprudência, é uma afronta à liberdade de associação para fins lícitos, a todos constitucionalmente assegurada.
 
 
Por Marcelo Cometti - advogado especialista em direito empresarial.

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