ARTIGO.

A BOA JUÍZA SULAMITA *

Nos dias que correm, a opressão do Estado fortíssimo sobre os cidadãos começa a ser sentida e ressentida em todas as atividade e profissões, que em nada fica a dever àquela mítica figura imaginada pelo empirista inglês Thomas Hobbes, de um monstro com poderosos tentáculos que a tudo dominava: o Leviatã. 

É fácil constatar, atualmente, que aquela consternação universal causada pelos horrores de 2ª Guerra Mundial e que deu azo a uma profunda reflexão sobre a condição humana, permitido, sobretudo, a concretização de um extenso rol de direitos e garantias fundamentais do cidadão, está cada vez menos presente na vida dos povos. Por isso, cada vez mais frequentes são os casos de precarização dos direitos, inclusive aqueles de assento constitucional.

Os órgãos estatais encarregados de fiscalizar a aplicação da lei – no Brasil, a instituição do Ministério Público - nem sempre desempenham a contento esse papel que lhe reservou a Constituição, especialmente quando têm que agir naqueles casos em que se estabelecem os confrontos de direitos fundamentais. Como resolver o choque entre normas de mesma hierarquia e que veiculam direitos e garantias fundamentais? Qual direito deve prevalecer? 

A resolução transcende as simples operações matemáticas. Na verdade, a sua solução somente se dará através de complexas operações valorativas (ou, como preferem os filósofos, axiológicas), contextualizadas no âmbito de uma relação de proporcionalidade, tendo como azimute o princípio da dignidade da pessoa humana que, por escolha dos construtores da arquitetura constitucional brasileira, em 1988, tornou-se a pedra angular do sistema.

Quando nas operações do mundo jurídico são abandonados esses balizamentos, o exercício regular cede passo ao abuso de direito. É o que infelizmente ocorre com maior frequência, para aumentar os temores de que os direitos que encorpam o conceito de cidadania estão cada vez menos valorizados diante dos enormes privilégios do Estado e seus agentes. Todavia, nem tudo está definitivamente perdido. Algumas atitudes levam à convicção de que aquela larga via que Bobbio vislumbrou no seu A Era dos Direitos, certamente uma das mais profundas abordagens acerca dos direitos humanos e fundamentais que se tem notícia, ainda é algo realizável.

Veja-se, como exemplo disto, a greve que tem curso na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Diante do impasse criado pela dificuldade de negociação ente as partes – os professores a exigir o cumprimento de acordo salarial feito com o governo do Estado do Rio Grande do Norte e este se negando a cumprir aquilo que acordara – a questão foi remetida ao Judiciário, não antes da suspensão (ilícita) do pagamento de vencimentos aos grevistas, determinado pela governadora Rosalba Ciarlini. É preciso dizer que essa atitude teve um impacto surpreendente na comunidade da UERN: nunca um movimento grevista capitaneado pela Aduern/Sintauern teve tanta adesão! Aliás, os servidores da Uern têm sido muito parcimoniosos nas deflagrações de movimentos grevistas, que somente ocorrem como último recurso.

O governo do Estado propôs ação junto ao Tribunal de Justiça do RN com o fito de ver declarada a ilegalidade da greve dos professores e servidores técnico-administrativos. Após infrutífera audiência de conciliação, a Juíza Sulamita Bezerra Pacheco, na condição de relatora, prolatou decisão em que negou a concessão da medida liminar requerida pelo governo do Estado e declarou legal o movimento grevista, casando o profundo conhecimento das instituições jurídicas pátrias com uma enorme sensibilidade social, a exemplo desta afirmativa: “Ora, é notório no Brasil que a classe dos professores vem sofrendo com péssimas condições de trabalho e uma remuneração que não condiz com a importância do ensino. Logo, há que se reconhecer a necessidade de fortalecimento da categoria de tais profissionais, base da nossa sociedade, bem como o direito dos docentes em reivindicar melhores condições de trabalho e salários mais justos. 

Outrossim, apesar da alegação do autor de violação ao direito constitucional à educação, previsto no artigo 205 da Constituição Federal, não encontro claramente desrespeito a tal direito constitucional. Ao contrário, ao passo que se busca respeitar o direito dos professores a uma luta por melhores condições de trabalho, o resultado é o fortalecimento da educação, para que se atenda ao conteúdo da norma constitucional, litteris: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”.

Depois dessas assertivas da boa Juíza Sulamita, pouco resta a dizer por aqui, salvo complementá-lo com a advertência do Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, em trecho de voto citado na decisão da mesma magistrada potiguar: “Ao Judiciário, de forma especial, não cabe simplesmente interromper o exercício de um direito constitucional, mas zelar para que o seu exercício não viole o regime legal aplicável à greve no serviço público, o que, até o momento, de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federa, deve se fazer com a aplicação das disposições contidas na Lei 7.783/1989.” (STF. Rel. Min.Rcl 13364 MC / RO - RONDÔNIA. Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 02/03/2012). Por não ter havido o corte dos vencimentos de seus pais, como queria a governadora Rosalba, as crianças agradecem.


(*) Por Paulo Afonso Linhares - advogado, professor e empresário.

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