A FAVOR DO SILÊNCIO.

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A FAVOR DO SILÊNCIO.
(Por Aécio Cândido - Professor da UERN (Departamento de Ciências Sociais), vice-reitor)

O poder público municipal resolveu agir como poder público. Bravo! Por “agir como poder público” entenda-se: agir em defesa do interesse da maioria.
Duas leis sancionadas pela prefeita na semana passada mostram a disposição de o Estado, em nível municipal, colocar alguma ordem no caos. Uma lei proíbe o uso de “paredões” de som em qualquer área pública do município; outra proíbe o uso de telefone celular em sala de aula.

País de muito batuque, o barulho se impôs no Brasil como cultura. E o paredão de som, artefato tecnológico nas mãos de quem não entende metade da tecnologia que ele traz embutida nem tem a educação mínima para usá-lo com parcimônia, onde se instala, instala-se como imposição. Ele nos obriga a fazer o que não queremos (ouvir música), a escutar o que não escolhemos (o tipo de música preferido pelo dono do paredão) e a fazê-lo num volume que não desejamos. Na presença do paredão fica proibida qualquer outra atividade: ler, ver televisão, conversar com os filhos ou simplesmente contemplar em silêncio o por do sol. Não se vê paredões irradiando música de Chico Buarque, de Caetano Veloso, de Tom Jobim. Eles expressam um padrão de educação, de comportamento, em que a boçalidade do gosto musical se alia à truculência e à falta de respeito pela liberdade, também, do outro.

Na cultura brasileira o silêncio não existe como valor. Pior do que nós, parece que só a África do Sul, com suas vuvuzelas detestáveis. Aqui, silêncio é associado a tristeza. Pouco suportável por alguns. Imagine um grupo de jovens em viagem num ônibus. Se o silêncio durar por alguns minutos, haverá de aparecer algum deles para lançar o brado de libertação: “Vamos agitar! Vamos agitar!” O que, traduzindo, significa: “Abaixo o silêncio! Vamos gritar! Vamos gritar!”

No entanto, só o silêncio é criativo. O que se pode criar em meio ao barulho? O barulho é brochante, do ponto de vista intelectual. Ele impede a concentração, e sem esta não há trabalho mental, e sem trabalho mental não há criação. Mas na cultura brasileira, muito mágica e milagreira, não se associa criação a trabalho intelectual. Em geral, muita gente pensa que a letra da música, a melodia, o poema, o romance, a planta da casa, o modelo da cadeira, a peça publicitária, a reportagem, a aula, o planejamento da fábrica... tudo nasce num click mágico, sem trabalho anterior, sem tentativas, erros e correções. Mesmo na universidade brasileira, que deveria estar vacinada contra o pensamento mágico, há gente que se espanta com o professor que estuda, que consome horas e horas a preparar uma aula; com o aluno que não falta às aulas, que anota o que o professor fala, que mantém uma rotina de estudos diários. E quando o resultado desse trabalho aparece, na forma de boas notas e de sucesso profissional, esses aí exclamam: “Que cara de sorte!”
Por tudo isso, precisamos instituir uma cultura do silêncio.

E é muito positivo que a prefeitura tenha tido a coragem de impor normas em favor dessa cultura. Mas precisa fazer mais. Precisa dar exemplo. Qual a necessidade de o som de uma banda, paga pela prefeitura para tocar na Estação das Artes, atingir, sei lá!, 150 decibéis, se acima de 100 o organismo humano já sente algum desconforto, e com menos do que isto todo mundo pode escutar a tal banda e dançar, se quiser? Numa comparação um tanto grosseira, é como usar um canhão, ou um fuzil, para matar rolinha (com o perdão do exemplo ecologicamente incorreto). Rolinha mata-se com baladeira ou, no máximo, com espingarda bate-bucha, se ainda existe. Há aí uma irracionalidade.

Muitas vezes, dentro do Teatro Dix-huit Rosado, com todo o tratamento acústico que o faz a excelente casa de espetáculos que é, ainda assim se escuta o que toca na Estação das Artes. E na escadaria do teatro, a pelo menos 300 metros do palco da Estação, não se consegue manter uma conversa em tom normal quando toca lá uma dessas bandas da moda.

Às vezes tenho curiosidade em saber o nível se satisfação entre pessoas que têm que gritar para se fazerem ouvir. Aquele ambiente lhes agrada 100%, ou elas apenas toleram o som alto, porque acham que a paquera, a promessa de sexo, a companhia dos amigos ou a bebida compensam o incômodo que o som exageradamente alto lhes causa? Não conheço pesquisa a respeito. Desconfio que as pessoas se submetem porque não têm outra escolha.

Quanto ao celular, ele perturba a liturgia que deve prevalecer no ambiente de sala de aula. Se o cidadão, na rua, tem direito ao silêncio imagine na sala de aula. Na sala de aula ele é condição para o aprendizado, que se processa, em grande medida, pela escuta. A propósito, diz Almino Afonso Neto, político paulista de raízes oestanas: “O respeito à palavra é o silêncio”. Celular não combina com sala de aula, como álcool não combina com direção de automóvel. Corta o raciocínio, atrapalha o fluxo normal do pensamento, desconcentra, dispersa.

Resta esperar que a prefeitura prossiga na valorização da cultura do silêncio. Para que a lei “pegue”, é necessário fiscalização e punição. Mas vamos cobrar mais: que nos contratos com as bandas, assim como na cessão de logradouros para instalação de parques de diversão, a prefeitura imponha um limite racional à altura do som. Aqueles a quem o mau gosto e a má-educação incomodam certamente apoiarão a prefeita.

Comentários

Anônimo disse…
Meu caro Aécio Cândido. Parabéns pelo artigo. Excelente! Veio bem a calhar com toda essa zoada, sim ZOADA MESMO que esse porredões, mistura de porra com paredões, são empurrados nos nossos ouvidos. Amigo Herbert. Você que já foi vereador, talvez lembre-se de que existia uma lei em Mossoró proibindo o uso de veículos de propaganda sonora, circulando pelo centro da cidade, próximo de colégios, hospitais, igrejas, dentre outros. Canindé Queiroz 'bateu' muito nesse tipo de perturbação sonora que, por algum tempo, principalmente nos finais de semana, ficaram proibidos e, com o passar dos anos, surgiram os 'novos-ricos' que se acham o c... da cocada preta e que não discernem música de merda. Tenho dito! Togo Ferrário.

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