ARTIGO.

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O ESTAGIÁRIO DE SÃO PEDRO
(Paulo Afonso Linhares - advogado, professor e empresário)

Um dos poemas do gênio Manoel Bandeira que mais aprecio - curtíssimo e engraçado - é o seu Irene no Céu, que singelamente diz: "Irene preta/ Irene boa/ Irene sempre de bom humor/ Imagino Irene entrando no céu:/ - Licença, meu branco!/ E São Pedro bonachão:/ - Entra, Irene. Você não precisa pedir licença". Há quantos anos li esses versos? No mínimo há quatro... décadas! Anos depois reli esse mesmo poema numa coletânea organizada por Michel Simon, que fez um bela tradução de Bandeira para o francês, mantendo a beleza rítmica tão comum à colossal obra poética desse bardo pernambucano: "Irène noire/ Irène bonne/ Irène toujours de bonne humeur [...]". Fazia um tempo que não me lembrava sequer desse poema, no original ou na versão francesa, quando um triste evento o trouxe à baila. Com efeito, há dias vi partir para a eternidade um velho amigo, estimado irmão de meus amigos Tarcísio Jerônimo, Wilson Rodrigues e Juarez Fernandes.
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Sim, logo que soube, recentemente, do falecimento de Francisco Fernandes de Souza, o "Souzinha do Parque Elétrico", como era mais conhecido esse empresário mossoroense bem sucedido e exemplo de cidadão, meus neurônios fizeram estranhas sinapses para, no trajeto entre minha residência e o hospital em que estava internado esse amigo, resgatar aqueles versos bandeireanos, nas duas versões que conhecia e que se misturavam confusamente num turbilhão de pensamentos. E que tinha a ver Souzinha com essa história? Ora, parodiando Bandeira, imaginei Souzinha, também, chegando ao céu: "Licença, São Pedro, posso entrar?" E São Pedro bonachão: "Entra, Souzinha. Você não precisa pedir licença! E mais, por ordem do Chefe você fica a trabalhar comigo aqui comigo. A receber as pessoas que chegam, mesmo neste umbral do paraíso, saudosas de suas vidas terrenas. Será o estagiário que jamais tive! Na verdade, estou cansado e a precisar de férias. Quem sabe, não preciso mesmo é de uma aposentadoria? Você tem vocação e sabe tratar com respeito cada cristão. Não era assim lá no Parque Elétrico, você com um riso nos lábios a receber com igual distinção todos os que ali entravam? Estávamos de olho, eu e o Chefe!".
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Uma brincadeira apenas. Claro, esse singelo diálogo imaginado nada mais reflete que a vontade de tantos que Souzinha descanse em paz e durma o merecido sono dos justos. É bem certo que lutou pela vida, como era de sua natureza, para continuar ao lado de Conceição, esposa, e de Ênio, Carol e Camila, amados filhos, dos seus outros familiares, amigos e conterrâneos. Todas as esperanças foram ultrapassadas e as últimas defesas vulneradas: não foi mais possível vencer, na dimensão corpórea da existência, o inimigo poderoso e traiçoeiro. Todas as possibilidades foram buscadas. Nada a reclamar. Certo foi que, de repente, para ele, tudo se fez partida, despedida, adeus. E partiu. Com a mesma serenidade com que viveu cada segundo do seu existir. Transpostos os limites da humana condição, nada mais de dor, de frio, de medo. Afinal, uma tênue luz que seja anuncia que o fim pode ser apenas um grande começo... Esperanças rebrotadas de infinitas possibilidades.
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Trazendo a conversa para a dimensão dos comuns mortais, ressalte a enorme falta que fará essa figura simples e amiga que foi Francisco Fernandes de Souza. Sem apelar para lugares comuns, é imperioso constatar que a lacuna deixada por ele, na geografia humana de Mossoró, é enorme. Mossoró unida chorou essa perda, a exemplo das centenas de pessoas que acompanharam o seu final cortejo, numa homenagem somente destinada àqueles que bem fizeram e que bem souberam caminhar por este vale de lágrimas. A Conceição, Camila, Carol e Ênio, as lembranças tantas de momentos vividos e a certeza de que Souzinha, em último alento poderia verdadeiramente repetir as belas palavras de Paulo, o apóstolo dos gentios: "Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé" ((II Tm 4:7). Ave, Souzinha.
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